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A entrevista de emprego e o imprevisto

Certa feita, acordei cedo e resolvi preparar um café da manhã tipicamente americano: ovos mexidos com fatias de bacon fritas e suco de laranja. Ficou excelente. Bem diferente do pãozinho com manteiga e café de costume. É bom variar, de vez em quando. Após lavar a louça, apressei-me para tomar um bom banho, pois eu teria uma entrevista de emprego às 10h e em hipótese alguma eu pretendia chegar atrasado.

Ao entrar no carro, ainda na garagem, senti alguns tremores estomacais. “Nada de mais”, pensei, e segui para a entrevista. Ao longo do percurso, a sensação de um acomodamento de terra intestinal foi aumentando e eu comecei a ficar preocupado. Logo, associei a situação ao tal café da manhã que tomara, pois eu não estava acostumado a comer aquilo todo dia, portanto certamente devia ser uma reação meio que relâmpago àquele desjejum diferenciado. O tempo foi passando, a situação complicando e até o trânsito, que estava absolutamente normal aquele dia, começou a me parecer intenso. As vistas já começavam a embaralhar. Enfim, cheguei ao edifício onde a entrevista seria realizada. Fiz uma baliza mais ou menos, para não perder muito tempo e principalmente para não ter que fazer muita força, pois a coisa já estava perigando.

Faltavam 20 minutos para as 10h, então pensei comigo, “Vou até a recepcionista, anuncio minha chegada para mostrar que não estou atrasado e depois pergunto-lhe onde é o toalete, fazendo um movimento com as mãos, como se quisesse lavá-las. Vou até lá, faço o que tenho que fazer e volto para a entrevista ainda a tempo.” Quem dera fosse tão simples assim.

Peguei o elevador. Comigo, entraram mais seis pessoas: uma velhinha, uma mulher bastante elegante, dois rapazes de terno e gravata e uma senhora com sua filha – uma menininha de uns cinco anos, mais ou menos. Eu apertei o botão do 43º andar. Todos escolheram seus andares também, o mais baixo era o 27º. Minha situação já estava crítica e o movimento do elevador ao começar a subir colaborou com a minha desgraça. Os dois rapazes conversavam. A mulher elegante estava séria – Verônica Maia era o nome escrito no crachá dela. Mãe e filha seguravam as mãos. A velhinha contava umas moedas aparadas na palma da mão. E eu… Bem, eu simplesmente suava. “Meu Deus, como eu suava!”

Mais ou menos entre o 6º e o 7º andar, senti um espasmo helicoidal nas tripas que me deixou sem alternativas… Peidei. Que situação! Eu não sabia se comemorava a sorte de não ter cagado na roupa ou se me preocupava com a futura repercussão do ocorrido. Como fora um peido silencioso, fiquei quietinho, firmei o semblante e fingi que o fato não tinha a ver comigo. O cheiro, ou melhor, o fedor começou a se espalhar pelo elevador. Tudo ficou empestado.

Pense no peido mais fedido que você já soltou na sua vida. Agora, eleve-o à 25ª potência. Calculou? Pois é, o seu deve ter sido mais ou menos “metade” do meu. Eu juro; o meu pum fedeu demais. Foi descomunal.

O odor era tão forte que parecia ter envenenado o interior do elevador. O espelho chegou a embaçar. Os dois rapazes calaram a boca – talvez para prenderem a respiração, não sei. A velhinha que contava as moedas deve ter perdido as contas, pois reparei que ela começara a contar tudo novamente. A mulher elegante que já estava séria ficou mais séria ainda, agora esboçando uma feição raivosa. Mãe e filha se entreolhavam. Aliás, eu tive muita pena da menina, pois ela estava ao meu lado e tinha uma estatura que atingia mais ou menos o meu quadril. Sem dúvida alguma, o nariz dela foi o primeiro a sentir aquela inhaca. Inclusive, ela usava um laço na cabeça que parecia estar desamarrando-se sozinho. A carniça era tão forte que deve ter afrouxado o nó dele.

De repente, alguém se manifestou. Quem? A menina, lógico. Não adianta, criança não entende de diplomacia – se é que esta se aplicava ali:

– Credo! Que “fedô”!
– O que é isso, minha filha? – disse a mãe, tentando desculpar-se pela menina; mas sem dúvida alguma, por dentro, ela estava orgulhosa da atitude da cria. Toda aquela franqueza e ingenuidade pueril, por alguns instantes, fez dela a porta-voz dos ocupantes daquele cubículo.
– Falta de educação! – disse um dos rapazes. O outro concordou. A mulher elegante não se manifestou, mas era notável o ar de indignação em sua face. A velhinha resmungou alguma coisa, mas eu não entendi. Eu apenas balancei a cabeça, como se quisesse demonstrar um sinal de desaprovação, mas na verdade eu estava é pensando no próximo pum que estava por vir e não demoraria muito. Foi quando um dos rapazes apertou o botão do 21º andar – já estávamos mais ou menos no 19º. O elevador parou, as portas se abriram e todos saíram apressadamente, sufocados, em busca de ar puro… exceto eu. Que mancada! Foi o mesmo que assinar minha confissão. Todos me olharam com desaprovação, mas na verdade eu não me importei muito, pois naquele momento eu sentia uma cólica delirante, e foi a conta da porta do elevador se fechar para eu soltar o segundo pum. Desta vez, quase caguei. Foi por pouco. O ambiente ficou “colorido” novamente. Uma catinga que eu mesmo nunca havia sentido antes, nos meus 28 anos de idade.

Fiquei pajeando o painel digital do elevador, contando os segundos para chegar ao 43º andar. Ao abrir a porta, avistei a recepção da empresa. A vontade de correr até lá era grande, mas a coragem era pequena. Caminhei lentamente, com passos curtos e pernas unidas; tamanho era o medo de acontecer algum acidente bestial – para não dizer “bostial”.

– Bom dia. – disse eu à recepcionista – Meu nome é Bruno. Eu tenho uma entrevista de emprego agendada para as 10h.
– Ah, sim. Por favor, fique à vontade. A Sra. Verônica já deve estar chegando. Assim que ela chegar, eu o chamo.
– Verônica?
– Sim.
– Verônica Maia?
– Sim, por quê?
– Não, por nada. Por favor, onde é o toalete? – perguntei, fazendo um movimento com as mãos, como se fosse lavá-las.
– No meio do corredor, à direita. Fique à vontade.
– Obrigado.

Enquanto seguia para o banheiro, ouvi a campainha do outro elevador que acabara de chegar. A porta se abriu e dele saiu Verônica. Eu rapidamente entrei no banheiro. Ela não me viu, mas eu a vi. Aliás, foi a última vez que a vi.

Nem me lembro da desculpa que dei à recepcionista para não fazer a entrevista, mas lembro-me muito bem do alívio que foi usar aquele banheiro que, aliás, ficou com o mesmo odor pútrido do elevador. Em um dado momento, eu tive a impressão de que a tampa da lixeira que ficava ao lado do vaso abria e fechava sozinha, como se quisesse desesperadamente “abanar” aquela atmosfera nauseabunda. Sem dúvida, um delírio pós-evacuação de minha parte.

Hoje em dia, toda vez que como ovos mexidos com bacon frito, lembro-me de Verônica Maia e também de nunca mais ter andado de elevador.

English Version

Categorias:Crônicas, Português
  1. Gilvana
    01/12/2009 às 11:11 pm

    Faltou o “vernis social” dessa menininha…hauhuaha
    Adoro crianças kkkk
    Olha q geral já se viu em alguma situação similar!
    bjss

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